quarta-feira, 9 de julho de 2014


Por que olhar por partes, sem antes compreender o todo? Por que enxergar a deficiência antes mesmo de saber mais sobre aqueles que não andam, não enxergam ou não ouvem? Por que apontar o que o outro não pode fazer, antes de perguntar o que ele tem a oferecer?

Reflexão a partir do texto:

O MODELO DOS MODELOS
Ítalo Calvino

A abordagem das pessoas com deficiência somente no presente tem encontrado uma perspectiva mais positiva, ainda sim convive com a constante desconfiança, com o assistencialismo e com a resistência. É um comportamento em modelagem. Embora sistematicamente menor, é uma realidade a relutância e a recusa em aceitar a necessidade e direito de um tratamento igualitário em todas as faces da vida. Na medida de suas diferenças, as pessoas têm o direito de receber um tratamento digno, justo e equitativo, bem como os suportes necessários para que possam exercer a sua cidadania e seus direitos. Dessa forma também é na educação, que a partir da Constituição de 1988 e com o reforço da LDBEN/1996, se trata de um direito de todos e que, sempre que possível, deve ser acessada na rede regular. O aluno com deficiência, seja ela da natureza que for, deve ser inserido no meio regular, para que possa se beneficiar e beneficiar os demais com a diversidade e com as estratégias e ganhos que revestem a sua presença e abordagem. O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é uma porta para essa equiparação, para o oferecimento de igualmente. Mas...
Embora explicitamente a sociedade escolar e geral se declare em uma fase de abertura, nem sempre a realidade ocorre dessa maneira. Alunos e professores podem ter resistências à presença educacional da pessoa com deficiência, seja por não saber como lidar com aquela necessidade, seja pelas demandas que a presença traz à prática profissional ou menos por conceitos anteriormente formados que impedem o contato pleno com a realidade. Implicitamente, na verdade, há muito da vida de Palomar em sua época de desejo de perfeição, porque dentro daquela harmonia pretendida, transportando para a educação, lhe pareceria tão mais fácil aplicar o educacional, os projetos, os objetivos. Se os alunos não fossem tão diferentes...
Mesmo assim, como estamos em um processo de migração, de mudança de conceitos, uma parte significativa, ainda que possa relutar com seus valores de resistência (e outros não que não possuem essa questão) se empenham para o aproveitamento das diferenças e de suas possibilidades. Na variedade humana conseguem compreender o quadro que pode ser tecido se cada configuração for respeitada e dela for retirado, em sua pessoalidade o melhor. Esse grupo representa o todo docente e educacional, bem como social, que investe nas metodologias diferenciadas orientadas às diversidades que podem ocorrer na educação, não apenas as que se referem à educação inclusiva e especial. Contudo, da mesma forma que Palomar, esse grupo que vive tal fase de transição também corre o risco de desenvolver uma modelagem da diversidade que sirva “para todos” e o que para todos serve, em verdade não serve a ninguém. O grande desafio do momento presente é também igual ao da vida intermediária de Palomar e, dessa forma, implica no reconhecimento da não existência de fórmulas e da pessoalidade, para que não se caia no mal da padronização mesmo do diverso, massificando o que se trabalha para tornar diferente.

Esse é o caminho futuro para o qual a educação e também o AEE como suporte rumam no cenário educacional para obter. Oferecer a possibilidade do ensino geral, dentro da individualidade, da pessoalidade e da necessidade de cada um. O AEE é mais próximo disso, desenha-se pelo aluno e por ele, e a educação está em construção dessa modelagem. É preciso apagar os modelos e todos os modelos e empreender, como desafio do AEE e da educação, uma práxis capaz de comportar a diferença, a deficiência, o desconhecido, a necessidade, bem como a potencialidade, a riqueza, a abrangência e o ganho do convívio. Uma prática que não tenha modelos, mas que construa todos os dias. 

Referências:
CALVINO, Ítalo - PALOMAR, São Paulo : Companhia das Letras, 2004;

BRASIL, LDB 9394/96 - ACESSADO EM 06/07/2014 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm

BRASIL,  CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988          ACESSADO EM 06/07/2014  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm



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